S t a g e 4 3

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Parte 4

"Cravei as unhas nos seus pulsos. Mal aguento à mim mesma. Arrastei devagar. Se não fosse a morte eu faria o serviço aqui mesmo. Umideci os lábios e segui até a entrada da casa. O calor seca até a alma. Lá vinha falando alto Juán Pablo. Alto, cabelos grisalhos. Sempre bem vestido... E sujo. Mal de mexicano de estrada.
Remédios e gritos. Eu mal podia olhar sua cara de meio-dor-meio-desacordado. Agonia."

(sem data)



"Sentei-me na cadeira velha de madeira e fui cuidando de mim. Logo Juán veio e finalizou o serviço. Levantei e joguei algum dinheiro na mesa. Servi-me do que achei necessário para seguir viagem. Isso era de praxe. Toda visita uma nova compra.
Entrada da casa, madeira que grita. Sentei nos degraus e pus-me a lavar as roupas manchadas das malas. Sabão de cinzas, escova de mão e tina mofada, conservava do pai.
Anoiteceu e ele acordou. Isso é bebida, não fraqueza. Ainda não percebeu que não é grave. Desta vez ele no banco traseiro. A garrafa de rum ocupa seu lugar na frente de forma digna. Tudo e nada. Minha saudade. Deixei algo que deveria estar aqui, pois é daqui que veio. Volte."

(sem data)

Parte 3

"Não podemos continuar aqui. São poucos, mas o bastante e sabem que não sou o que pareço. Deus, ele não pode me deixar aqui sozinha em meio ao nada. Um mescla de egoísmo com necessidade e afeto. Assim, embebedei parte do casado perdurado no banco com o uísque que me dera a pouco. Desinfetar o ferimento que mal enxergo em tanto sangue. Aos poucos a verdade. Tiro de raspão.
Toda essa tensão... Ah, entardecer sempre me deixa muda. Eu preciso disso todos os dias. Não sei o que pensar sobre minhas escolhas. Dane-se.
Arrastei seu corpo até o banco do passageiro e tomei o volante. Quanto exagero para um tiro de raspão. Como sempre dramático."

(sem data)




"Sei que quem dirige é ela pelos palavrões. Lembro de quando a conheci. O primeiro beijo que nunca aconteceu... O carro pára, abre a porta, me puxa para o chão. Tão delicada quanto minha ironia."

(sem data)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Parte 2

"Agora as malas estão cheias de sangue. O couro velho e surrado já absorveu parte disso e devemos ter roupas manchadas pra contar estórias. Dó, ao deixar-me aqui deu-me uma garrafa de seu melhor uísque. Piedade é algo que prefiro chamar de oportunidade dada. Não fere meu ego, deixa confortável. Parece que a ferida borbulha o sangue.
Queria lhe cortar a garganta.
Que pode pensar olhando tanto pro retrovisor? Minha sobrancelha esquerda levantada não disfarça a preocupação. Eu poderia usar a última bala, mas o tiro que guardo é para o final. Sangue escorrendo em seu peito, vindo de mim. Partindo do nariz, passando pela boca e pingando, borrando. Deixar marcas pelo caminho até a morte. Um soco a ponto de perder o ar."

(20 de outubro de 2009)


"É como se houvesse um cheiro de carne podre; ódio tomando o todo. Eu poderia acabar com tudo, fugir com tudo. Engatilhei.
Cavalos na estrada. Um último olhar confere minha aflição. Sem tempo para sequer raciocinar, o susto foi maior ao perceber que atirei com a freada. Seu pescoço rasgado. A culpa foi divida entre a distração e a vontade. Preciso dar um jeito nisso e limpar a sujeira antes de procurar qualquer ajuda."

(sem data)




"Os abutres sumiram após o estouro. Era como se aquele sol me tocasse segundos antes de acordar de um sonho. Merda! Apoio a cabeça no volante e esse sangue não vem dela.
"Nós não batemos... Ela atirou." E agora se arrastando entre os bancos, lá vem ela. Mal vejo seu rosto. Não preciso, sei bem como ele é."

(sem data)